EXPOSIÇÃO BIOARTE, GALERIA ANTÓNIO PRATES, MARÇO 2005

Texto introdutório (PDF).

Leonel Moura, Henrique Garcia Pereira

A Bioarte é uma nova espécie de arte inspirada na biologia que promove a emergência de uma Natureza diferente, artificial, dinâmica e auto-sustentável. Assim, a questão crucial é a geração da vida como expressão artística (não da vida como ela é, mas como poderia ser). Nesta faceta, esta nova espécie de arte demarca-se radicalmente da (triste) ideia de usar corpos de pessoas ou de animais para fazer obras de arte, assim como da prática de empregar materiais orgânicos nas peças e instalações tal como foi tão comum nos museus e galerias de arte do século XX.

A especificidade diferencial desta nova forma de arte pode ser sintetizada nos cinco tópicos seguintes:

A Criação é entendida no sentido em que a bioarte não pretende representar ou imitar a Natureza, mas ambiciona construir as condições para a emergência de uma nova Natureza, desta vez Artificial (ou manipulada, em certos casos). Apesar da crítica – sempre bem-vinda – de que estamos ainda muito longe desse objectivo, é absolutamente inequívoco que o bioartista pretende fazer exactamente isso: criar uma Natureza artificial enquanto expressão artística que suplemente a Natureza natural.

A Combinação é um aspecto crucial da inovação científica e cultural. No entanto, no caso da bioarte, a sinergia, a mescla e a recombinação são mecanismos que estão na origem do conceito, e não só apenas no âmbito da investigação. Em contraste com muitas tendências artísticas precedentes, em que o ‘científico’ servia de referência externa ou de veículo para estimular a criação de imagens, a bioarte é ao mesmo tempo arte e ciência. Para produzir obras de bioarte, os artistas também têm de ser cientistas.

A Simbiose como cooperação inter-espécies encontra-se na bioarte de muitas e variadas formas (algumas vezes entre o homem e outras criaturas vivas, mas na maioria dos casos, entre o homem e as máquinas inteligentes). A interacção e a cooperação entre o homem e a máquina é um dos aspectos mais importantes da bioarte. No processo de desenvolvimento de máquinas inteligentes, a arte desempenha um importante papel cultural e científico, já que não exige nem finalidade, nem objectivos pré-definidos. Ao contrário dos constrangimentos de desempenho tão comuns nas aplicações militares e industriais (incluindo a indústria do espectáculo), a cooperação do homem com a máquina no domínio da arte põe-se em termos puramente criativos, ou seja, inscreve-se num processo contingente de tentativa e erro que gera novos seres artificiais verdadeiramente autónomos.

A Aleatoriedade faz parte do comportamento adaptativo normal. Na espécie humana, a arte e a cultura são processos adaptativos baseados na aleatoriedade. Mas a adaptação no contexto criativo significa que o artista não procura a solução para nenhum problema: põe o processo em movimento e vê o que acontece. A bioarte introduz assim algumas mudanças relevantes no milenário processo adaptativo. Pela primeira vez na cultura humana, a arte não está apenas a procurar interpretar e a redesenhar a Natureza, mas também a aplicar mecanismos biológicos aleatórios para dar origem a uma nova forma de Natureza.

A Pós-humanidade é um importante problema em aberto na bioarte, visto que contribui para libertar a espécie humana da sua neurótica pretensa superioridade que deu origem a uma relação com os outros seres vivos tão perversa e massacrante. A narrativa humana, explorada de um modo tão enfadonho na arte contemporânea convencional, só raramente é um assunto que interessa à bioarte. Os bioartistas estão interessados em primeiro lugar nos mecanismos da vida e não nas narrativas moralistas tipicamente humanas. Assim, é um aspecto crucial saber que o homem é tão importante como, por exemplo, uma pequena formiga (e para os que trabalham com a ‘inteligência artificial de enxame’, o comportamento da formiga pode ser muito mais estimulante e compensador).

Estes cinco tópicos sobre a bioarte são suficientes para mostrar que uma nova forma de arte está a emergir. Sob alguns aspectos, é arte comum tal como a conhecemos, rebelde, engenhosa e inovadora. Mas a sua configuração cultural escapa claramente ao debate corrente sobre arte contemporânea, demasiadamente concentrado em não-problemas antropocêntricos. E esta será talvez a razão porque esta nova forma de arte, já presente nos domínios académicos e científicos, está a levar tanto tempo a atingir um público mais vasto no mundo da arte. De qualquer modo, les jeux sont faits.

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